O Vestido que Me Reconstrói

 Crônica — O Vestido que Me Reconstrói

Ainda não cheguei lá. Existe um “lá” dentro de mim que tem a forma da realização, não uma realização grandiosa, dessas que estampam manchetes, mas aquela que se instala suave, silenciosa, como quem finalmente encontra seu próprio nome. Transito por esse território sensível onde tudo ainda está sendo tecido, e às vezes é difícil saber se estou caminhando ou apenas me equilibrando entre o que fui e o que desejo ser.

Mas continuo.

E enquanto continuo, me pego pensando no que acontece quando um sonho se realiza. O que vem depois? O descanso? O alívio? Ou talvez o vazio que deixa espaço para outro sonho nascer? Nunca soube responder. Talvez por isso ainda busque.

Há anos, guardo o desejo de produzir um vestido. Não um vestido qualquer, mas aquele que sempre imaginei fazendo quando a vida permitisse que eu criasse sem amarras. Na verdade, acho que o vestido não era apenas um vestido. Era um lembrete. Um resgate. Uma promessa que fiz a mim mesma quando ainda acreditava que a liberdade criativa era um lugar e não um estado de espírito.

Então resolvi começar.

Abri caixas antigas, encontrei retalhos de tecidos guardados por anos, restos de outras ideias, outras fases, outras versões minhas que já não existem. E é curioso como os tecidos envelhecem junto com as intenções: o toque muda, o brilho muda, mas a memória fica.

Passei dias cortando, costurando, alinhavando. Desmanchando. Recomeçando.

Em certos momentos, achei que estava apenas criando um vestido. Em outros, percebi que era eu quem estava sendo criada de novo.

Tenho recolhido meus próprios cacos como quem recolhe sobras de tecido no chão da sala: cuidadosamente, sabendo que cada pedaço tem uma importância discreta, mas necessária. Há dias em que me sinto firme como uma rocha, e há dias em que não encontro o chão nem dentro de mim. Quando o nó na garganta aperta, eu me refugio no silêncio. E é curioso como até o silêncio tem texturas, às vezes áspero, às vezes um abrigo macio.

Hoje chorei.

São quarenta e cinco dias reorganizando uma vida inteira, e percebo que entre um ponto e outro, o vestido vai tomando forma, e eu, de algum modo, também.

A vida é isso, penso enquanto recolho mais um fio solto: um eterno trabalho de costurar pedaços. E torcer para que eles façam sentido juntos.

Hoje, 17 de novembro, Dia da Criatividade, percebo que criar não é apenas um gesto artístico. É sobrevivência. É cura. É o fio invisível que me sustenta quando tudo parece desabar.

E talvez — só talvez — esse vestido seja menos sobre moda e mais sobre mim. Sobre o que renasce quando permitimos que as mãos façam aquilo que a alma pede.






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